Os membros inferiores dão ao ser humano possibilidades extraordinárias de movimento, com a capacidade de suportar a carga do próprio corpo bem como cargas adicionais.
Estabilidade precisa-se !
O joelho é uma articulação que, apesar de alguma rotação quando em flexão, se move primariamente numa direção. Ele estende e flete, tendo um papel importante no amortecimento de cada passo, bem como na impulsão para o passo seguinte. Se tentarmos imaginar o que é andar, sem conseguir fletir o joelho, facilmente entendemos a importância do joelho no processo da marcha. Graças ao seu ângulo de flexão/extensão, a articulação do joelho permite-nos grandes mudanças de nível sempre que nos baixamos para apanhar algo, ou ganhos de altura ao saltarmos. Ao contrário dos vizinhos, pé e anca, que permitem muita mobilidade em diferentes direções, o joelho é uma articulação que necessita de estabilidade lateral para que se mantenha saudável ao longo da vida, sendo essa estabilidade assegurada por vários tecidos moles que o envolvem. Por essa razão, é também uma articulação muito susceptível a desgaste e lesões associadas a movimentos repetitivos em que é forçado a fletir fora da sua linha de flexão “normal”, ou sujeito a traumas súbitos sempre que é forçado para além das amplitudes de rotação para as quais está preparado.
A dor no joelho pode surgir em diferentes locais. Neste artigo abordaremos, de uma forma superficial, o Síndrome Rotuliano Doloroso (SRD) que tem por base, uma variedade de disfunções funcionais do membro inferior. Em abono da verdade, a disfunção pode ter origem funcional e/ou estrutural, no entanto para efeitos de simplificação deste artigo, vamos considerar só a vertente funcional.
O Síndroma Rotuliano Doloroso manifesta-se através de uma dor na parte na frente joelho, geralmente na parte superior da rótula e frequentemente lateralizada.
Como se move o joelho?
Para percebermos a razão da dor, temos que olhar para o movimento do joelho. Na flexão e extensão do joelho, a rótula desliza sobre a tróclea femoral, que não é mais do que uma “calha” que contribui para um deslizamento alinhado da rótula sobre a extremidade do femur. Apesar de ser essencial para esse alinhamento, não é de forma alguma a única responsável por manter a rótula no seu alinhamento correto.
Esta tróclea femoral pode ser anatomicamente bem diferente, de indivíduo para indivíduo. A diferença na profundidade desta “calha” é bem visível nestas duas imagens radiológicas. Uma tróclea menos profunda naturalmente providencia menor estabilidade no posicionalmento da rótula.
O “valgo dinâmico”
Se, por motivos vários, o joelho apresenta um comportamento de “joelho valgo” em algum ponto do percurso durante a flexão ou extensão, chamamos a este comportamento um valgo dinâmico.
Pode não ser causado por um um desalinhamento ósseo, mas sim por uma série de fatores que levam a que o joelho fuja para dentro, durante a flexão e/ou extensão, em movimentos em que o indivíduo não está preocupado com o posicionamento dos membros inferiores, tais como na marcha, corrida, dança, ou qualquer outro movimento do quotidiano, e por conseguinte nem se apercebe desse mesmo desalinhamento.
O que diz a ciência?
Estudos biomecânicos apontam para uma deslocação lateral da rótula durante o movimento de deslize da rótula sobre o fémur, associada a um valgo dinâmico em pacientes com SRD. As principais causas para o valgo dinâmico são variadas, e de um ponto de vista funcional podem passar por um déficit de força muscular em zonas específicas da coxa, desequilíbrios musculares entre a face interna e externa da coxa, o posicionamento do pé e estabilidade do seu arco plantar, excesso de tensão muscular na musculatura da parte de trás da coxa, gémeos e da banda iliotibial na face lateral da coxa, entre outras. Num grande número de casos, estas situações coexistem.
O porquê da dor
Tecniquices à parte, tudo isto significa que a rótula é puxada para o lado de fora do joelho, criando maior pressão na zona lateral da “calha” onde desliza, e dessa forma vai criar desgaste quer na própria superfície articular da rótula (a parte de trás da rótula que desliza sobre o fémur), quer na própria superfície articular do fémur. Isto explica o porquê de a dor surgir na parte superior e por vezes externa do joelho.
A dor pode surgir em situações pontuais, como no aumento da actividade física (corrida, saltos, agachamentos, ou qualquer outro movimento que exija flexão/extensão do joelho), ou simplesmente por estar sentado de perna cruzada por um período de tempo mais prolongado (razão pela qual esta dor é também chamada de “movie sign”). O excesso de tensão da musculatura da coxa sobre a rótula, faz com que esta esteja em compressão contra a extremidade do fémur. Se não for corrigido, isto pode tornar-se cada vez mais frequente, até se tornar uma dor sempre presente se houver inflamação constante e/ou degeneração dos tecidos. O desgaste da cartilagem articular pode já estar presente (denominado por condromalácia), ou pode surgir se estes desalinhamentos não forem corrigidos.
Olhando para a imagem, facilmente compreendemos que também os tecidos à esquerda da imagem acabam por sofrer, por estarem constantemente a ser levados para além da sua capacidade extensível.
Quando existem alterações estruturais (seja ao nível do osso, articulação, músculo, tendão ou ligamento) ou desequilíbrios musculares que fazem com que o movimento de flexão do joelho não seja linear, geralmente dá-se o desgaste exagerado de zonas que se encontram em sobrecarga como é o caso das superfícies articulares.
A superfície articular é toda a área revestida a branco na extremidade óssea. São áreas extremamente lisas e deslizantes, de forma a tornarem o movimento articular suave e fluido. Quando, por razões várias, existe pressão em demasia entre duas superfícies articulares, verifica-se o amolecimento da superfície cartilaginea e mais tarde o desgaste da mesma e originando situações inflamatórias e dolorosas na articulação.
Boas notícias!
Actualmente, a literatura científica tem provado como eficaz um conceito de terapia não-cirúrgica, com a utilização de anti-inflamatórios não esteróides durante um curto espaço de tempo, e o recurso a programas de exercício direcionados a corrigir o movimento. Os estudos evidenciam também que o recurso a artroscopia não é o tratamento preferencial do Síndrome Rotuliano Doloroso que não apresente alterações estruturais. O tratamento deve passar sim pela resolução da situação inflamatória do joelho, pela descompressão articular e pelo trabalho de correção e realinhamento funcional do movimento dos membros inferiores. Há que chamar a atenção para o facto de que, ao optarmos por só tratar a inflamação, estamos a eliminar o sintoma, mas não estamos a eliminar a razão que leva a que o joelho inflame. Há que lembrar sempre que esta é uma situação em que o joelho sofre por culpa alheia. É necessário verificar o comportamento do pé e da anca, que origina o movimento desalinhado do joelho. Em algumas situações, verificam-se também benefícios na utilização de estabilizadores da rótula ou de ortóteses do pé (como palmilhas), no entanto, a reabilitação funcional do movimento é de extrema importância para evitar recidivas.
Tenho tido dores na parte de cima da rótula pontualmente e não parece estar a melhorar, o que devo fazer?
Se a dor é recente e surgiu espontaneamente (sem que tenha havido nenhuma razão específica para isso), procura um profissional na área movimento humano que te possa fazer uma avaliação funcional e possa avaliar a forma como te moves para que verifique se a dor pode estar relacionada com questões funcionais que estejam a levar o teu joelho para além daquilo que ele consegue suportar sem criar lesão, e para que te consiga indicar que tipo de trabalho deves fazer com o objectivo de fazer uma correção funcional. É muito importante apanhar estas situações quando elas se começam a verificar. Na sua maioria, são situações agudas, pontuais, que criam uma inflamação que acaba por desaparecer. Caso seja algo que já tiveste no passado, e tenha voltado a aparecer, é importante mencioná-lo à pessoa que te fará a avaliação funcional para que consiga construir o “puzzle” que levou ao reaparecimento da dor. Se já tiveres alguns exames médicos, leva-os contigo, para que consiga associar o diagnóstico médico aos teus padrões de movimento.
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